Cândida Vaz de Carvalho Aires de Magalhães (1875-1964)

Portuguese Writer

Vivendo hoje no anonimato memorialístico, Cândida Aires de Magalhães deixou para a posteridade não só a delicadeza inspirada dos seus versos, mas também o lamento do vate filósofo Teixeira de Pascoaes: “Eis aí o destino dos nossos poetas. Não vivem, porque ninguém os lê nem compreende. São fantasmas a falar só, como lhes chamou Lopes Vieira, um outro fala-só (…) [;] Cândida Aires de Magalhães vive recatada na sua modéstia, esse divino crepúsculo…”.
Cândida Aires de Magalhães nasceu na Casa de Pintéus, solar da família Vaz de Carvalho, na freguesia de Santo Antão do Tojal, em Loures, no dia 17 de agosto de 1875. Conhecida nos meios literários seus contemporâneos como Cândida Aires, cresceu no seio de uma família de tradição intelectual, sendo filha do General Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda, também poeta, e de D. Maria do Carmo Vaz de Carvalho Aires de Magalhães, e sobrinha direita de D. Maria Amália Vaz de Carvalho.

Considerada à época como “uma das mais talentosas poetisas da actualidade” [1], começou a publicar os seus primeiros versos, em 1906, na revista Illustração Portuguesa, havendo colaborado também no Almanaque Bertrand, no Diário de Lisboa, no Diário de Notícias, no Jornal da Mulher, na Revista Transmontana e na Águia, “influenciada pelo saudosismo e pelo movimento da Renascença Portuguesa” [2]. Mas foi com os seus livros que consagrou as suas publicações e o seu nome, que adivinhava já, no parecer de Albino Forjaz Sampaio, “o seu estro magnífico” [3].

O seu primeiro livro, Trevas Luminosas (1919), foi prefaciado pela sua tia, D. Amélia Vaz de Carvalho, e, “pela beleza com que estava escrito”, rapidamente se esgotou” [4]. Seguiu-se Falam os Meninos (1927), contos infantis que antecederam o livro de 1935, Gente Pequenina, de uma “graciosa infantilidade e superior efabulação” [5], havendo-se esgotado quase imediatamente depois da sua publicação. Asas Feridas (1928) é o seu livro mais referenciado, tendo sido “apresentado à Exposição do Livro, em Florença, onde obteve as melhores apreciações” [6]. Carolina Michaëlis, em carta publicada dirigida à autora agradecendo um exemplar, traçou, com elogiosas palavras, um elenco dos topoi da mundividência suscitados por aquele livro de versos, permitindo ao leitor enquadrar teoricamente o espaço da sua poesia: 

Não sei o que admirar mais no poema Trevas Luminosas, trespadíssimo de ternura portuguesa: – o entrecho arquitectado com intelecto são? – as partes narrativas singelas mas sempre artísticas? – as divagações poéticas e sonhos de filosofia? – a linguagem pura e expressiva? – os versos bem cadenciados de áurea proporção, encadeados com bela liberdade pela rima? [7]

Também António Manuel Couto Viana lhe dedicou algumas páginas na sua compilação de estudos Colegial de Letras e Lembranças (1994). Apesar de ter continuado a escrever em poesia – inclusivamente, já em 1932, o folheto “Um Português”, dedicado a D. Manuel II, e constituído por quatro sonetos e uma balada – existe uma produção sua, em prosa, no tomo I e vol. I do Guia de Portugal Histórico, “Alto de Santa Catarina”, “descritiva daquele lindo miradouro de Lisboa e de consagração a D. Maria Amália Vaz de Carvalho, que ali viveu durante 46 anos” [8].
Transcrevemos a poesia muito elogiada por Carolina Michaëlis e que dá nome ao livro, “Treva Luminosa”, bem como os versos que Forjaz Sampaio coligiu em Poetisas de Hoje:


Treva Luminosa

(Versos com que ofereci o primeiro exem-
plar do meu poema Trevas Luminosas
à minha tia Maria Amália Vaz de Car
valho, que lhe fizera o prefácio)


Ó minha quasi Mãe, é neste instante
que parte para a vida o meu livrinho;
vai pela tua mão, vai confiante,
não tem mêdo ao caminho.
E eu beijo, fervorosa,
a doce mão que, sendo pequenina,
é forte e gloriosa;
e ajoelho ante a alma peregrina
que, em dor crucificada, em dor suprema,
da sua própria treva ainda ilumina,
com palavras de luz, o meu poema;
e, assim, ó alma grande e generosa,
alma egrégia e divina,
a tua treva é… treva luminosa.
[9] 

Mocidade

Não ter amor, esperança ou fé que alente, 
não ter sequer um bem que nos sorria, 
nem consôlo, nem paz… e não ter guia 
na vida que promete e assim nos mente; 

sentir, dentro de nós, sempre gemente,
o coração faminto de alegria, 
- como um cego que pela luz do dia 
viva a chorar na sua noite ingente -; 

bradar, erguendo os braços para a Morte: 
“Em ti encontrarei quem me conforte; 
Oh! leva quem não deixa uma saudade!...” 

E volver-nos, de longe, a Morte: “E’ cedo, 
és moço ainda, cumpre o teu degrêdo!” 
Para quantos é isto a mocidade…
[10]

Notes:

[1] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. I, Lisboa, s/n, s/d, p.685.

[2] Eugénio Lisboa (coord.), Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. III, Mem-

[3] Albino Forjaz Sampaio, Poetisas de Hoje, Lisboa, Diário de Notícias, 1931, p. 13.

[4] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, ed. cit., p.13.

[5] Idem, ibidem.

[6] Idem, ibidem.

[7] “Carta particular da insigne Professora D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos, agradecendo um exemplar”, in Cândida Ayres de Magalhaes, Asas Feridas, 1.ª ed., Lisboa, Aillaud e Bertrand, 1928.

[8] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, ed. cit., p.13.

[9] Cândida Ayres de Magalhaes, Asas Feridas, ed. cit., p3.

[10] Albino Forjaz Sampaio, op. cit., p. 37.

References:

Acknowledgments:

The biography of Cândida Magalhães was written by Sofia Santos.

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