Catarina Micaela de Sousa César e Lencastre (1749-1824)

Portuguese Poet

Nascida em Guimarães, a 29 de Setembro de 1749, Catarina Micaela de Sousa César e Lencastre foi uma proeminente poetisa portuguesa, que recebeu o título nobiliárquico de Viscondessa de Balsemão, em decorrência do decreto de 14 de Agosto de 1801, em favor de seu marido, Luís Pinto de Sousa Coutinho, nomeado Visconde de Balsemão, pelo Príncipe-Regente D. João, em nome de sua mãe D. Maria I de Portugal. 
Era filha de Francisco Philipe de Souza da Silva Alcoforado e D. Roza Maria Viterbo de Alencastre. Segundo o estudo de Maria Luísa Malato Borralho (2008, p.26), “os nomes de Lobera e os de Alcoforado, da genealogia dos Senhores de Vila Pouca, sustentavam ainda mais nobres parentescos literários (assumidos uns, outros vagamente atribuídos) com os irmãos Lobeira, Luís Vaz de Camões, ou até com soror Mariana Alcoforado.” 
Outros nomes menos conhecidos fazem parte da veia literária da família de Catarina Lencastre, como o próprio pai, que pertencia à Academia Vimaranense, juntamente com o tio da poetisa, Sebastião Corrêa de Sá. O avô materno, Diogo Corrêa de Sá, era membro ativo da Academia dos Generosos, enquanto que o primo Martim Corrêa de Sá pertencia a várias academias, entre as quais Academia dos Ocultos, e Diogo Pereira Frojaz Coutinho, também primo da poetisa, era membro da Academia dos Aplicados Elvenses. 
Além das Academias, vale salientar o papel dos conventos na contribuição da teia literária que compunha os laços familiars de Catarina de Lencastre. A conhecida escritora Maria do Céu, religiosa no Mosteiro da Esperança, uma das mais célebres vozes da Literatura conventual portuguesa, tia-avó da mãe de Catarina de Lencastre.  Destacamos ainda sua madrinha de batismo, D. Catherina Bernarda de Minotes e Souza, religiosa no convento de Santa Clara de Villa de Conde, de acordo com o Livro de assentos de nascimentos, do arquivo de Guimarães. Como ressalta a pesquisadora Borralho, os frequentes outeiros poéticos realizados no convento resultou na intervenção do arcebispo de Braga, em 1758, ordenando à “Rª Abadessa que convocada a comunidade […] menos lhe consisnta fazerem bailes e entremezes e musica com letra profana [..] onde se originavam dissenções, pendências  emulações” (F. Martins, Um Friso de Vimaraneneses Ilustres, p.7, apud. Borralho, 2008, p.24).    
Inserida nesse contexto de vitalidade literária, Catarina de Lencastre inicia seus passos na Literatura nos saraus que frequentava ainda solteira. Porém é a partir da conjuntura de seu casamento com Luís Pinto de Sousa Coutinho, então governador da capitania de Mato, e posteriormente embaixador na Inglaterra, que levou a poetisa definitivamente ao mundo das Letras e das Luzes. Pois a instalação em Londres, centro notável de livres-pensadores e literatos, a impulsionou a “traçar um plano intellectual, de forma disciplinada e intensive. Aquele ano, ocupá-lo-ia Catarina de Lencastre a estudar inglês, francês e italiano, e a ler os mais conhecidos autores daquelas literaturas.[…] Só depois abre os seus salões. Convida membros da embaixada portuguesa, das embaixadas estrangeiras, senhores da aristocracia e intelectuais ingleses.” (Borralho, 2008, p.60).

De regresso a Portugal, em 1788, Catarina de Lencastre relaciona-se com outras escritoras célebres que se destacam na intelectualidade portuguesa da época, como D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre, mais conhecida por Marquesa de Alorna, ou pelo pseudônimo poético de Alcipe, e a escritora Teresa Josefa de Mello Breyner, ou a Condessa do Vimieiro, com pseudônimo de Tirce. Assim, como suas contemporâneas, Catarina de Lencastre adoptou o pseudônimo anagramático Nathércia.
Pela relevância que teve a figura de Safo na obra da Viscondessa, através de traduções e imitações de poemas sáficos, e as várias referências à poetisa da Antiguidade, recebeu o cognome de Sapho Portugueza.  De um modo geral, os Sapho e os outros poetas antigos, os motivos, os temas, os deuses da mitologia greco-latina e, todo o universo mítico da Antiguidade, estão notavelmente presentes no conjunto de sua obra. Porém, a diversidade de tópicos abordados pela autora como a Razão, o Amor, a Natureza, a Felicidade, o Pessimismo, o Caos, faz a pesquisadora Borralho pensar que, “Catarina de Lencastre revelou-se uma autora exemplar nessa percepção da continuidade e da ruptura na história literária”, questionando assim a classificação que lhe foi atribuída de “pré-romântica”.

Illustration of Catarina de Lencastre, Primeira Viscondessa de Balsemão.

A obra da Viscondensa de Balsemão foi objecto de duas teses de doutoramento:
CUNHA, Zenóbia Collares Moreira, O pré‐romantismo português: subsídios para a sua compreensão [Texto policopiado] (Lisboa 1992). Tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.
BORRALHO, Maria Luísa Malato da Rosa, D. Catarina de Lencastre (1749‐1824): libreto para uma autora quase esquecida [Texto policopiado] (Porto 1999) 2 vols. Tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Letras, Universidade do Porto.
Dentre os generos literários cultivados pela autora encontramos: odes, sonetos, quintilhas, canções, apólogos, fábulas, imitações de Safo, peças de teatro e cartas. 

Alguns poemas da Viscondessa de Balsemão:

Certo passaro atrevido,
Que de si não confiava,
Vestido de alheias penas
Entre os outros se mostrava.

Os mais que isto apercebêrão
Contra elle se voltarão,
Cada qual tirou a sua
N´hum instante o depenarão.

Cuidado, fracos authores,
Nao busqueis luz emprestada,
Se vos tirarem o alheio
Talvez vos não fique nada.

(Catarina de Lencastre - Ms. G, Apólogo 25, apud Borralho, 2008, p.429)

Entra no mundo a candida innocência,
Sem que tema, ou receie o fingimento,
Porque limita o seu conhecimento
Em julgar realidade na aparencia.

Toma logo a lizonja a providencia
Para atacar o seu merecimento,
Mais astute consegue o falso intent
Della triunfa athe com indencencia.

Tal me encontrou Amor, que sem resguardo
Fez que dobrados peitos não temesse
E no meu empregou seu cruel dardo.

Deixou sim, que o meu damno conecesse,
Mas foi conhecimento pouco e tardo,
Porque evitar o mal já não podesse.

(Catarina de Lencastre - Ms. A. f. 20v, apud Borralho, 2008, p.266-267)


Imitação de Sapho III

Sapho ao mar se precipita
Por impulço da paixão,
Vinga em si o alheio crime
Da perfida ingratidão.
Muitos tempos respeitado
Foi o penedo fatal,
E por força deste exemplo
Hum mal cauza de outro mal.
Se muitas saphos houvera
Por se verem desprezadas,
Forão de victimas tristes
As brancas ondas coalhadas,
Oh, Santa philosophia,
Sem ti que vale a firmeza?
Tu a perdoar ensinas
Os crimes da natureza.

(Catarina de Lencastre - Ms. O, fl.27. Ms. L, p.65., apud Borralho, 2008, p.142)

À Perpétua. Pela Ilustríssima Senhora D. Catarina César de Lencastre.

Pastores destes vales habitantes
Pastores que viveis nesta Espessura
Quero de vós saber se por ventura
Há no mundo Perpétuas inconstantes.

Nos montes mais vizinhos e distantes
Entre vós a perpétua sempre dura,
Animada daquela igual ternura
De vossos corações firmes e amantes.

Por não ter de Alecrim a variedade,
Conserva sempre o ser de amor-perfeito,
Sem que entre nela o roxo da saudade.

O tempo lhe não muda o raro efeito
E sendo tenra flor, na realidade
Tem duração eterna em nosso Peito.

(Catarina de Lencastre Ms 429 do Fundo Manizola da Biblioteca e Arquivo distrital de Évora, fl 34r, apud Francisco Topa (2000, p.456)


A seguir um soneto do marido Luís Pinto de Sousa Coutinho, 1.º Visconde de Balsemão

Em Louvor do Soneto antecedente, pelos mesmos consoantes.
Pinto de Sousa

Sobre as ondas do Minho os habitantes
Do líquido Elemento e da Espessura
Ouviram seus assentos, que à ventura
Sujeitam as suas Leis sempre constantes.

Aos ecos solitários e distantes
O Pastor os repete e já procura
Gravá-los sobre os troncos, que a brandura
Destes versos em si guardam amantes

Eles têm da Natura a variedade,
A força de animar o amor-perfeito
E de enxugar o pranto da saudade

Vede se pode haver mais raro efeito
Que atar o doce Amor à liberdade
Com o amor divino de teu peito!

(Pinto de Sousa - Ms 429 do Fundo Manizola da Biblioteca e Arquivo distrital de Évora, fl 34v, apud Francisco Topa (2000, p.457)

References:

  • BORRALHO, Maria Luísa Malato. “Por acazo hum viajante…”: A vida e a obra de Catarina de Lencastre, 1.ª Viscondessa de Balsemão. Lisboa: IN-CM, 2008.
  • "Nobreza de Portugal e do Brasil", Direcção de Afonso Eduardo Martins Zúquete, Editorial Enciclopédia, 2.ª Edição, Lisboa, 1989, Volume Segundo, p.369.
  • PEIXOTO, Vera.“Alcipe, Nathercia e Tirse: Considerações sobre as luzes no feminino no Portugal de setecentos.” Polissema 9, Revista de Letras do ISCAP, 2009, p.298-316.

Notes:

The painted portrait of Catarina Lencastre was kindly provided by a member of his family. The illustration of Catarina Lencastre, made by an unknown author, was taken from Jornal Universal, Lisboa, nº 8, Novembro de 1845, pp.127-128.

Acknowledgments:

The biography of Catarina Lencastre was written by Luciane Deplagne. 

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